Fanny Littmann

Por onde anda a consciência?

O futuro sob o olhar dos mais relevantes criadores da moda internacional
Por Fanny Littmann - 28-05-2018

“Trans-humanismo (ou transumanismo, abreviado com H+ ou h+) é um movimento intelectual que visa transformar a condição humana através do desenvolvimento de tecnologias amplamente disponíveis para aumentar consideravelmente as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas. [1] [2] O que impele a filosofia transumanista é a erradicação de qualquer forma de sofrimento causado por doenças, pelo envelhecimento ou mesmo pela morte.”
Citação suprimida e extraída do termo da Wikipédia.

Macaque in the trees

No início de fevereiro até março vimos os desfiles internacionais de Nova York, Londres, Milão e Paris. Neste período, sempre temos um vislumbre de como o sistema da moda irá operar nos próximos meses.

Tivemos a epopeia da catarse humana no desfile assinado por Alessandro Michele para Gucci. Sempre um mixer de referências, nesta temporada, porém, ele deu um passo maior, ao levar para a passarela a condição humana hoje, baseada na tecnologia.

Num ambiente que remetia a uma sala de cirurgia em tons de verde, o designer construiu identidades novas, misturando várias referências étnicas, numa metáfora de transumanos, passando por um processo de autorregeneração através de todas as tecnologias que temos acesso às redes sociais, a nossa relação com bancos, TV por assinatura, compras on-line e cirurgias plásticas. “Somos o Dr. Frankenstein de nossas vidas”, disse Michele.

O desfile irradia significados interculturais, cheio de símbolos de uma marca que tem um mercado vasto e mundial. Lenços babushka russo, vestidos com um ‘que’ de folclore, burkas, toucas balaclavas que cobriam os rostos, deixando apenas boca e olhos à mostra, pijamas chineses, tweed e xadrez ingleses, peplum em couro dourado, correntes e bijuterias com um ar de anos 1920...

Enfim, quem olha com olhos de venda em massa acha miscelânea, barroquismo, exagero e sabe que esta conduta de estilo supramixado cultural dificulta a cópia, aumenta o valor agregado a cada produto e protege a label.

METÁFORA da auto consciência
Mas o que impressionou foram os modelos carregando réplicas exatas de suas cabeças nas mãos. Outra ostentava um terceiro olho, idêntico ao dela, na testa. Aqui, Michele recorreu a Makinarium, uma fábrica de tecnoartesãos com sede em Roma, e reproduziu o que quis para esse mundo que está em sua mente, inspirado pelo filme “The Tale of Tales”, do diretor italiano Matteo Garrone.

A Makinarium produz efeitos especiais e visuais sob medida. Da Cinecittà, onde eles têm seu ateliê, trabalharam com Ridley Scott, Vlad Marsavin, Danny Boyle e Ben Stiller. Foram seis meses até que as primeiras peças ficassem prontas. Quanto ao significado por trás dos modelos que carregavam sua própria cabeça, vamos chamá-lo de metáfora para carregar o fardo espiritual da própria evolução e autoconsciência.

Produções de ficção científica têm explorado à exaustão o tema da consciência humana e da imortalidade. Desde Blade Runner e seus replicantes, passando por filmes como Sem Rumo e A Hospedeira, e séries como Black Mirror, Westworld e a pretensiosa e bem feita Altered Carbon.

Altered Carbon Baseada no romance de ficção científica de Richard K. Morgan, a série Altered Carbon (ou, Carbono Alterado) se passa no século 25, quando a mente humana é digitalizada, e a alma pode ser transferida de um corpo para o outro.

Macaque in the trees

O universo da trama acontece em um mundo num futuro distante, onde a humanidade avançou a ponto de conseguir controlar a imortalidade. Dentro de uma lente surreal, a série procura explorar e discutir assuntos pertinentes para o contexto sociopolítico atual, como abuso de poder, desigualdade entre homens e mulheres, luta de classes e segregação racial e religiosa.

Além disso, a série traz tecnologia alienígena, inteligência artificial e assassinos extremistas, apresentando uma proposta diferente do que já foi mostrado em outras produções passadas em universos distópicos. Joel Kinnaman interpreta Takeshi Kovacs, um antigo guerreiro de elite que foi congelado por 250 anos. Depois de ser transferido para este futuro, ele deve resolver um assassinato – em um mundo onde a tecnologia tem feito a morte ser quase obsoleta – para ganhar a chance de ter uma nova vida na Terra.

Com o maior orçamento para uma série, já tem confirmada sua continuidade e, assumindo o que Alessandro Michele nos propõe nesta temporada, um mundo com transumanos baseados na tecnologia da imortal Stack, um chip inserido no pescoço de todas as pessoas ao nascerem. Os stacks ‘guardam’ a consciência e podem ser colocados em outros corpos para que uma nova vida possa começar depois da morte do corpo físico. O único jeito de alguém morrer de verdade é quando o stack é destruído.

O morrer se tornar obsoleto é algo tremendamente importante de se destacar nos dias de hoje. Não precisamos de uma série que se passa 250 anos adiante para nos lembrar disso. O que isso significa? Para onde escolhemos levar a nossa consciência? Nossos desejos e, o mais importante, o nosso propósito neste aqui e agora?