Reportagem

Inspiração ou cópia?

Limites e consequências de uma prática polêmica na indústria da moda
Por Mary Silva e Michel Pozzebon - 18-07-2018

Há quem defenda que não existe conceito inédito no design de moda, mas apenas novas interpretações para o que já foi inventado. Por outro lado, criativos mundo afora exploram diferenciais e processos inovadores que tornam seus portfólios únicos e desejáveis.

Sucesso em crítica e vendas, suas criações passam a ser vistas como referência e, não raro, acabam popularizadas em formatos similares (e frequentemente não autorizados). A partir daí, um universo de questões e batalhas judiciais levanta dúvidas sobre o que é inspiração e o que configura cópia neste mercado.

Por mais simples que possa parecer, nem sempre é fácil comprovar a origem das ideias. Foram necessários, por exemplo, seis anos para Christian Louboutin conquistar o direito de exclusividade na fabricação de sapatos femininos com solas vermelhas.

Em tramitação desde 2012, um processo movido pela grife francesa contra a fabricante holandesa Van Haren teve seu desfecho somente em junho deste ano, consagrando a marca registrada da maison. Outros casos de grande repercussão envolvem brigas entre etiquetas renomadas e ainda reclamações por direitos de produtos vendidos em redes de fast-fashion.

Entre os mais comentados, estão os clássicos embates entre Gucci e Puma contra a Forever 21. No Brasil, estes movimentos têm proporções expressivas, especialmente quando se trata de calçados.

Conforme a advogada e sócia no escritório Souza e Velludo Salvador Advogados (São Paulo/SP) Regina Ferreira, um fenômeno de imitações vem crescendo nos últimos dez anos, impulsionado pelas transformações no comportamento de consumo.

“Isso ocorre, sobretudo, em razão do aumento da competitividade e da necessidade de disponibilizar novos produtos com maior frequência, celeridade e baixo custo”, explica. E complementa, pontuando que a cópias e revela como opção sedutora à primeira vista.

“É uma via mais fácil do que confeccionar algo partindo do zero, tendo em vista que alguém já despendeu tempo, dinheiro e trabalho para alcançar aquele resultado.” Regina, que coordena a pós-graduação em Direito da Moda da Faculdade Santa Marcelina (São Paulo/SP), com mestrado e especializações em Direito Penal e Moda, acrescenta que réplicas excluem, além disso, o ônus de eventuais rejeições, uma vez que o público já considera que a peça naquele formato merece destaque.

Nas imagens abaixo: slide Puma Fenty by Rihanna e slide Forever 21. Clique no ícone Galeria, para conferir alguns dos calçados mais copiados da indústria fashion

Macaque in the trees

Macaque in the trees








Prejuízos incalculáveis
Além das perdas econômicas às empresas que têm seus produtos reproduzidos sem autorização, a indústria da cópia pode gerar uma imagem negativa para o setor como um todo. “Outro malefício é o desestímulo aos talentosos designers brasileiros que, em vez de se destacarem no cenário nacional e internacional como notáveis criadores, correm o risco de ser conhecidos como bons replicadores de produtos de sucesso”, pontua Regina Ferreira.

De acordo com a advogada, mesmo que a imitação esteja relacionada a peças desenvolvidas por marcas do exterior, a punição para o responsável respeita a Legislação Nacional. Para ela, um redirecionamento cultural precisa ocorrer, para que o Brasil possa explorar seu grande potencial criativo aliado à excelência na produção.

“Tal mudança virá a partir do comportamento das empresas, bem como do próprio consumidor em não adquirir reproduções de outras marcas. Acredito que a informação e as discussões sobre os prejuízos da cópia podem ser um bom ponto de partida para que indústria calçadista nacional continue pujante nessa arte que é fazer sapatos com história”, salienta.

Mais emulação, menos reprodução
Na opinião da especialista, o que define a inspiração é um conjunto de fatores, influências e associações de ideias que fazem com que a proposta inicial evolua para algo novo. “Ela não se confunde com a cópia, que se caracteriza pela reprodução das mesmas características da criação alheia.

Concordo com Austin Kleon, autor da obra ‘Roube como um artista’, para quem a ‘imitação tem a ver com copiar. Emulação é quando a imitação dá um passo adiante e ganha sua forma’. Precisamos de mais emulação e menos cópia no setor calçadista brasileiro”, argumenta Regina.

Polos da réplica
Beirando a banalidade, a prática da imitação ocorre livremente em um sem número de fábricas brasileiras, que comercializam seus produtos nos mercados formal e informal. “As cópias no segmento calçadista estão entre os casos mais comuns de infração de direitos de propriedade industrial, notadamente porque há regiões espalhadas pelo País que são reconhecidas como polos de falsificação e contrafação de calçados”, sustenta Fabiano de Bem, advogado especializado em Marcas, Repressão à Concorrência Desleal, Combate à Pirataria, Contencioso Judicial e Resolução de Conflitos, sócio do escritório Kasznar Leonardos (Rio de Janeiro/RJ).

De Bem explica que as imitações atingem diversos estilos e modelagens, especialmente chinelos, sandálias, tênis e esportivos em geral. “Elas podem se dar por diversos aspectos, seja na totalidade (quando há reprodução), seja substancialmente, quando o contrafator apenas imita os aspectos visuais mais significativos do produto original, de modo a desviar a atenção dos consumidores mais desatentos”, detalha.

O especialista cita que não há critérios prédefinidos ou percentuais que identifiquem uma réplica. De toda forma, sugere que os produtos originais sejam previamente registrados como desenho industrial no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). “Isso confere ao titular a exclusividade na fabricação e venda e permite o ajuizamento de ações contra copiadores e concorrentes desleais”, esclarece.

Formas de proteção

A melhor forma de se proteger de cópias é fazendo o registro do desenho industrial no Inpi que, na forma da Lei 9.279/96, assegura ao titular:

• A propriedade e o uso exclusivo;
• Direito de impedir a fabricação e venda não autorizadas por terceiros;
• Direito de coibir a imitação substancial que possa induzir os consumidores em erro ou confusão;
• Com o registro validamente expedido pelo Inpi, o titular pode ajuizar as ações cíveis indenizatórias para coibir a cópia e imitação do produto registrado.

Sanções possíveis

Entre as punições mais comuns aos copiadores estão:

• Condenação judicial impondo a paralisação da fabricação e venda de cópias e imitações;
• Condenação do copiador/contrafator ao pagamento de indenização por danos materiais e, em alguns casos, extrapatrimoniais à imagem do produto, do titular e da marca;
• Nos casos de indenização por danos patrimoniais, o valor a ser indenizado pode ser calculado em razão do que o titular do produto original deixou de ganhar; ou do que o copiador/contrafator lucrou; ou, finalmente, o valor de royalties que deveriam ser pagos pelo copiador/contrafator ao titular, por uma eventual licença de exploração do produto. Importante notar que, nesses casos, fica a critério do titular sugerir o valor de indenização por danos materiais que lhe for mais benéfico.
FONTE: FABIANO DE BEM, ADVOGADO ESPECIALIZADO EM MARCAS, REPRESSÃO À CONCORRÊNCIA DESLEAL, COMBATE À PIRATARIA, CONTENCIOSO JUDICIAL E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS, SÓCIO DO ESCRITÓRIO KASZNAR LEONARDOS (RIO DE JANEIRO/RJ)

Desenho Industrial: saiba mais
O registro de desenho industrial protege, conforme o Inpi, a aparência que diferencia o produto dos demais. Desta forma, diferenciais como funcionalidades, processos de fabricação e vantagens práticas, por exemplo, não estão cobertos. No Brasil, a associação de cores a um objeto também não está prevista no registro.

Ainda segundo o órgão, cada solicitação pode incluir até 20 objetos, “desde que sejam variações do mesmo ou outros que componham um conjunto com as mesmas características distintivas preponderantes. Isto é, façam parte da mesma ‘família’, mantendo a identidade visual”.

O prazo de vigência do título concedido pelo Inpi é de dez anos, prorrogáveis por mais dois períodos de cinco anos. Vale mencionar que a contagem começa no momento do pedido.

Divulgação prévia
Entre os requisitos de proteção do desenho industrial está sua característica de novidade. No entanto, existe tolerância de até 180 dias a contar da primeira divulgação do objeto até a data do pedido de registro.

Isso porque a lei brasileira considera válidas como “inéditas” peças que exigem exposição prévia em feiras, eventos, seminários ou congressos, bem como trabalhos acadêmicos. O Inpi salienta, entretanto, que a apresentação apenas pode ter sido feita pelo autor ou pessoa autorizada por ele.

Órgãos oficiais
Além do Inpi e da Polícia Federal, que investiga casos de cópias de produtos, os designers brasileiros contam com o apoio da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). A entidade sem fins lucrativos atua junto à indústria e órgãos oficiais para combater a falsificação e reprodução indevida de produtos. No site abcf.org.br, é possível obter informações e fazer denúncias.

Detetives da web
As redes sociais são grandes aliadas de criadores na briga pelos direitos intelectuais e propriedade industrial. Muitos consumidores agem como verdadeiros detetives, identificando e apontando réplicas de peças famosas. No campo dos influencers, um perfil internacional ganhou fama por expor “coincidências de design” entre grifes.

Com mais de 500 mil seguidores no Instagram, o @diet_prada é o novo pesadelo de estilistas que veem seu trabalho posto em dúvida no feed. A página é alimentada por dois designers dos quais se tem raras informações e já recebeu respostas nada simpáticas de personalidades como Stefano Gabbana, fundador da Dolce & Gabbana.

Como lidar?
Mesmo com diferenciais de design facilmente relacionados a determinadas marcas, milhares de versões “inspired” surgem todos os dias. Cópias ou homenagens, são peças semelhantes e, em muitos casos, idênticas às originais (pelo menos à primeira vista).

Uma das mais imitadas do universo dos calçados, a Nike alia suas estratégias de proteção à busca pela conscientização dos consumidores. No site da gigante dos esportivos é possível encontrar orientações sobre como agir e de que forma a empresa lida com este tipo de situação.

“A Nike está ciente dos produtos falsificados no mercado e está trabalhando para eliminar o problema. Se o produto não foi adquirido diretamente da Nike ou de uma revendedora Nike autorizada, a Nike não pode abordar dúvidas específicas sobre a autenticidade do produto. Se você acha que recebeu um produto falsificado, entre em contato com o vendedor. As reclamações iniciadas na Nike não serão aceitas se o produto for considerado falso”, diz um dos comunicados disponíveis na página. Há também um e-mail específico para o envio de denúncias.

Já outras etiquetas incluem observações sobre direitos autorais em materiais de publicidade e até mesmo entre os termos de uso do site ou e-commerce, como é o caso da brasileira Arezzo (Campo Bom/RS).

Control C + Control V
Ícones da moda, alguns modelos de calçados e bolsas se mantêm no topo da preferência do público ao longo dos tempos. Em contrapartida, eles também costumam figurar na lista dos mais copiados da história. No ícone Galeria, veja alguns exemplos clássicos.