Moda

A nova cara do luxo

Mudanças de comportamento obrigam grifes a repensar estratégias
Por Bárbara Bengua - 19-07-2018

Quando você pensa em luxo, o que vem à sua cabeça? Tempo livre para ficar com amigos e família? Ou, quem sabe, uma viagem introspectiva, para desconectar-se da rotina acelerada. De acordo com as definições mais atualizadas, trata-se da busca por experiências que proporcionem conforto e prazer únicos.

“Assim como a moda, este conceito varia – depende da época e do meio em que se vive. E também está relacionado aos desejos da sociedade e ao que as pessoas consideram luxo em suas vidas”, detalha a pesquisadora e escritora Laura Ferrazza. Este momento de transição pelo qual a sociedade está passando também se reflete no universo fashion.

Para a coolhunter e diretora do Think Forward (São Paulo/SP), Sabina Deweik, grande parte da população está deixando para trás antigos valores. “Na década de 1980 e 1990, vivíamos a ‘Economia do Olho’ – grifes ostentavam logos e era isso que dava significado ao status social, em um mundo extremamente individualizado. Hoje, estamos na ‘Economia da Língua’, em que há uma procura enorme por experiências, credibilidade, autenticidade, empatia, cocriação”, define.

Alessandra Andrade, coordenadora do Centro de Empreendedorismo da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e responsável pelo curso Fashion & Luxury Business – em parceria com a Elle e Mindway Business School, também lembra que o comportamento e as tendências de consumo realmente influenciam mudanças de mercado. Na sua visão, os monogramas são um ótimo exemplo disso.

“Quanto maior o nome da marca e a presença de monogramas que caracterizassem uma peça, mais desejada ela era. Há cerca de duas décadas, exibir essas características era sinal de ostentação”, recorda-se.

Novos valores, mais significado
Hoje, este ultraexibicionismo não faz mais sentido. “Atualmente, o uso de itens descaradamente luxuosos é mesmo considerado algo cafona”, considera Laura Ferrazza. E, apesar de atributos como matérias-primas especiais, altíssima qualidade, design, exclusividade, emocionalidade e prestígio continuarem se destacando entre os artigos considerados de luxo, estes não são mais os únicos pré-requisitos necessários.

Temas como sustentabilidade, personalização, handmade, transparência, verdade e autenticidade foram elevados a outro patamar – e ganharam uma importância muito grande quando o assunto é atender aos anseios do novo consumidor.

“Mesmo para as grandes grifes, só ter um nome não vai mais adiantar. Vivemos uma época em que as novas gerações só consomem coisas que tenham significado em suas vidas. É preciso que exista propósito – caso contrário, estes jovens não vão se identificar e, portanto, não vão querer gastar seu dinheiro nisso”, reforça a pesquisadora Sabina Deweik.

“Padrões e regras de comportamento foram flexibilizados. As pessoas, hoje, valorizam o estilo, a personalidade e a criação de uma identidade própria”, acrescenta Alessandra Andrade.

Forma de expressão
O lifestytle contemporâneo dialoga com esta nova forma de pensar. Este é um dos motivos pelos quais o estilo das ruas ganhou destaque – e começou a desconstruir a ideia do “luxo tradicional”. Hoje, o jeito de vestir passou a ser, mais do que nunca, a forma mais genuína de expressão.

Para a pesquisadora Laura Ferrazza, é inegável que há uma valorização de produtos de uso cotidiano, executados dentro de padrões mais elevados. Tanto que a especialista da FAAP determina: “O street couture, que traz em sua essência a juventude, a transgressão, o urbanismo, as tribos, é uma tendência fortíssima do mercado fashion.”

Já a diretora do Think Forward explica que a rua é a resposta ao comportamento que valoriza o estilo democrático e que levanta bandeiras como diversidade e moda sem gênero, por exemplo.

O exemplo emblemático da Vetements
A consagração deste movimento se dá na ascensão de marcas jovens – porém extremamente emblemáticas, como é o caso da Vetements, criada em 2009 e comandada pelo designer Demna Gvasalia. “Essa grife trouxe uma nova visão do luxo, que chegou em um momento muito especial de quebra de regras e disrupção – não só na moda, mas nos costumes e valores”, defende a consultora, palestrante e stylist Maria Jorge.

Segundo ela, tornou-se possível criar um produto de alto valor agregado que tenha uma proposta desafiadora e nada conformista. “Este é o segredo para atender a essa geração que não se contenta com a posição de espectador e que quer ser única.”

Tênis: a consagração
Alçado à categoria de luxo, o tênis é a maior representação de que os tempos mudaram. Se em um passado próximo esta peça era vista como algo de “segunda linha”, hoje ela se transformou em um item fabricado por grifes de luxo, que surge repaginado a cada coleção.

“Acredito que este modelo seja a metáfora para tudo isso que estamos falando. Este é o produto que anda na contramão da ostentação e consagra valores como conforto, simplicidade e essência, caracterizando o novo momento em que vivemos”, explana Sabina Deweik.

Na avaliação de Laura Ferrazza, o fenômeno do street style revela novas formas de usar itens que, em geral, eram considerados básicos. “Acredito que peças como tênis fazem parte desse movimento de um vestir mais informal, de uma mudança profunda mesmo na estética. Hoje, uma mulher pode se sentir linda e poderosa sem precisar estar em cima de um salto alto – e isso é ótimo. Artigos
como tênis e camisetas, simples e diários, ganharam ares de sofisticação.”

Para Alessandra Andrade, a transformação é ainda mais radical. O lifestyle das marcas, para ela, passou por alterações. Atualmente, ele permeia todos os momentos da vida do consumidor – e, desta forma, há a ampliação no portfólio de produtos.

“Uma grife não quer ir com você só a festas glamourosas. Ela quer estender sua participação, oferecendo seu lifestyle não só para os momentos de lazer e esporte, mas também na decoração da sua casa, na experiência do hotel de sua viagem, no restaurante.”

Esta também é a percepção de Maria Jorge: “O tênis valoriza o conforto, algo essencial nos dias de hoje. Mas, além disso, podemos destacar o fato de que importantes maisons jamais sobreviveriam hoje fazendo apenas alta-costura. É preciso se adaptar às mudanças”, resume.

A sociedade de posse deu lugar à era do acesso. A ressignificação de algumas premissas antes imutáveis no status quo é destacada por Sabina Deweik. “Hoje em dia, o importante não é aquilo que eu tenho. É o que eu faço com aquilo que eu tenho”, explica. E, em tempos de economia circular, faz todo o sentido aumentar o tempo de vida útil de peças luxuosas, antes restritas a um seleto grupo de pessoas.

Movimentos como brechós de luxo e aluguel de peças de importantes grifes vêm ao encontro desta nova forma de pensar. “Os Millenials, nascidos entre 1980 e 2000, não precisam ter, só precisam ter acesso ao uso. Isso já vem avançando em outros mercados, com o desenvolvimento de empresas como a Uber e o Airbnb. Mas também crescerá no mercado de moda e luxo”, comenta a coordenadora da FAAP.

A especialista ainda acrescenta: “Por que gastar R$ 5 mil em um vestido que eu posso alugar por uma fração do preço? Por que comprar uma bolsa

Sai a necessidade de posse, entra o acesso
A sociedade de posse deu lugar à era do acesso. A ressignificação de algumas premissas antes imutáveis no status quo é destacada por Sabina Deweik. “Hoje em dia, o importante não é aquilo que eu tenho. É o que eu faço com aquilo que eu tenho”, explica. E, em tempos de economia circular, faz todo o sentido aumentar o tempo de vida útil de peças luxuosas, antes restritas a um seleto grupo de pessoas.

Movimentos como brechós de luxo e aluguel de peças de importantes grifes vêm ao encontro desta nova forma de pensar. “Os Millenials, nascidos entre 1980 e 2000, não precisam ter, só precisam ter acesso ao uso. Isso já vem avançando em outros mercados, com o desenvolvimento de empresas como a Uber e o Airbnb. Mas também crescerá no mercado de moda e luxo”, comenta a coordenadora da FAAP.

A especialista ainda acrescenta: “Por que gastar R$ 5 mil em um vestido que eu posso alugar por uma fração do preço? Por que comprar uma bolsa Chanel clássica na loja, se posso encontrá-la disponível num brechó ou em um grupo de compartilhamento?”.

Já o fator social e sustentável é enfatizado por Laura Ferazza. “Artigos produzidos por marcas como Dior e Chanel têm muito valor agregado. É um nome, um universo de referências, uma história. Mas também são peças que carregam atributos como qualidade, design, diferencial. É muito bom que esses produtos possam circular, trocar de dono, uma vez que foram feitos para durar e, muitas vezes, podem ser considerados atemporais. Trata-se de um consumo consciente”, pondera.

Outra prova de que estas novas gerações têm sido responsáveis por grandes mudanças está nas colaborações entre importantes maisons e marcas mais populares. “O mercado da moda tem se apropriado de atributos do luxo em suas estratégias de marketing. Um exemplo disso é o conceito de ‘luxo acessível’, desenvolvido em parcerias com redes de fast-fashion”, detalha Alessandra Andrade.

Maria Jorge relembra a primeira collab de peso, criada há cerca de 15 anos. “A colaboração entre Karl Lagerfeld e a gigante de fast-fashion H&M já anunciava o sinal dos tempos. Não dá para se isolar nas glórias do passado e da própria tradição e ignorar o que está acontecendo no dia a dia, nas ruas.”