Comportamento

Moda & distanciamento social

Vocês já pensaram que o distanciamento físico pode inspirar estilistas e designers? Já pensaram como a moda pode ser uma ferramenta para o distanciamento social? E isto não é novo!
Por Cristina Sant`Anna - 22-07-2020

Isso já aconteceu na história da moda, e revisitando alguns momentos em que o distanciamento social foi necessário por questões de saúde, ou mesmo momentos em que este distanciamento sanitário não era necessário, podemos ver que as roupas sempre tiveram um papel político, cultural e social e sempre foram instrumentos para distanciamento social.

Durante a pandemia de peste negra de 1347 (que devastou a Europa até 1352), os médicos usavam trajes muito pesados e protetores, com uma longa capa de couro, ou de linho engraxado, para ser quase plastificada e impermeável. Ela ia até os tornozelos e tinha capuz. Usavam ainda luvas e botas, e um chapéu preto com aba bem larga para proteção total. No rosto, vestiam uma máscara com um bico, onde colocavam ervas aromáticas para não sentirem o cheiro dos mortos.

Mas nem sempre manter distância dos outros era apenas por uma questão de saúde. Há também o distanciamento para delimitar o pertencimento de classe. E que melhor maneira de se diferenciar dos outros do que usar roupas luxuosas projetadas para criar uma barreira física e social? Ele pode se dar por volumes, por alto preço das vestimentas, ou mesmo pela limitação do uso fora de espaços fechados.

Os saiotes feitos com barbatanas davam volume aos vestidos usados pelas mulheres elegantes do século XVIII. As saias eram muito largas nas laterais, mas achatadas na frente e atrás (lembram do filme Maria Antonieta?). Esses saiotes tinham como objetivo acentuar as curvas femininas, aumentando os quadris para dar a ilusão de cinturas finas, mas principalmente para afastar os “animadinhos” de plantão. As primeiras silhuetas assim apareceram no século XVI na corte da Espanha, evidenciadas nas pinturas de Diego Velásquez. Em meados do século XIX, o saiote de barbatanas deu lugar ao de crinolina que fez aumentarem os volumes. Quanto mais ampla a saia, maior o status social e mais as moças ficavam protegidas de investidas.

No século XVI na França, na corte de Luís XIV os saltos eram objetos exclusivamente masculinos, um símbolo de ostentação e riqueza; os homens usavam saltos altíssimos. O rei Luiz XV, devido a sua baixa estatura, adorava um salto alto. Já as mulheres da nobreza usavam sapatos muito delicados e geralmente feitos de cetim ou seda, para diferenciar-se das demais classes sociais. Alguns não permitiam nem que andassem, pois o tecido se romperia. E mesmo quando era possível caminhar, jamais colocavam seus pés na lama com eles. Desciam carregadas das carruagens ou eram carregadas nas liteiras. Isso as diferenciava socialmente.

De volta ao presente: muitos criadores revisitaram ao longo do tempo o conceito de distanciamento social, mais, ou menos conscientemente. Nessas últimas temporadas também vimos o surgimento nas passarelas de silhuetas que poderiam até ser consideradas como armaduras, usadas frente a um mundo cada vez mais agressivo. Por outro lado, os acessórios como bolsas e calçados de luxo tiveram seus preços aumentados para que o difícil acesso a eles os torne verdadeiros objetos de desejo e diferenciadores de classes sociais.

Quando você pensa em um sapato caro, vem à sua mente um par do designer Christian Louboutin? Ou um Manolo Blahnik? Pois saiba que estes não são os mais caros e nem mais objetos do desejo como os sapatos da grife árabe Jada Dubai, que bateu todos os recordes lançando os scarpins mais caros do mundo no Burj al-Arab, um luxuoso hotel-palácio de Dubai. Custam 276.000 euros e são feitos de couro, seda, ouro e diamantes. Projetados e criados na Itália, os sapatos foram chamados de Passion Diamond e possuem 236 diamantes, além de dois diamantes puríssimos de 15 quilates.

Mas este não é o único que promove distanciamento social. O designer Christopher Shellis, que administra a House of Borgezie, com sede no Jewellery Quarter em Birmingham, Reino Unido, já fez sapatos para a cantora Beyoncé por 200.000 libras. Ele é o autor da sandália chamada ''Los'Angel Wing stilettos'', com 2.000 diamantes de 16 quilates e tiras com a flor de lis de ouro.

Mas o distanciamento social físico parece ter dominado as passarelas mesmo antes da pandemia de Covid-19. Nos desfiles de inverno 2021 muitos estilistas trabalharam volumes extremos, véus de proteção, máscaras e tudo o mais que promovesse o distanciamento.

Este pode ser o futuro da moda: roupas que instalam fisicamente uma nova distância entre nós e o mundo exterior, escondendo corpos e reinventando as maneiras de nos relacionarmos socialmente, porque o distanciamento social por classes sociais, sempre esteve aí e deve continuar como sempre aconteceu na humanidade. É só dar uma passadinha pelo Instagram, a meca da divulgação dos produtos e estilos de vida luxuosos para confirmar isto. Depois de tempos de sobriedade durante o auge da pandemia, o estilo exuberante está de volta por lá.